Ministério alerta Mato Grosso do Sul após Verruck liberar devastação de 400 hectares no Pantanal

Técnicos e entidades de proteção ambiental pedem que governo federal suspenda decretos de Mato Grosso do Sul

Gabriel Maymone e Renata Portela

Técnicos do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima pedem que o Governo Federal suspenda o mais rápido possível decretos da Semadesc (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação) que permitiram o desmatamento de mais de 400 mil hectares no Pantanal de Mato Grosso do Sul.

O pedido está em nota técnica emitida pelo Departamento de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade, da Secretaria Nacional de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais, na quinta-feira (27).

O documento cita duas medidas assinadas pelo titular da pasta, Jaime Verruck: Decreto Estadual nº 14.273/2015 e Resolução SEMADESC nº 015 do , de 08 de março de 2023.

O primeiro trata-se de uma espécie de regulação estadual para uma lei federal que trata da exploração ecologicamente sustentável das áreas de uso restrito nos pantanais e planícies pantaneiras.

Decretos foram assinados pelo secretário de meio ambiente de MS, Jaime Verruck (Edemir Rodrigues, Arquivo, Subcom-MS)

Estudo financiado por produtores e Embrapa ignorada

Uma das falhas apontadas pelos técnicos na norma estadual é que estudo utilizado como referência pela Semadesc, o CEPEA-ESALQ (da escola de Agricultura da USP), foi financiado pela Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de MS), entidade que representa os interesses dos produtores.

No entanto, os técnicos do Meio Ambiente apontam que o relatório ignora questões importantes como a valoração dos serviços ecossistêmicos, “que devem ser levados em conta, ainda mais no contexto do Pantanal”.

Ainda, o ministério indica que já havia disponível um estudo da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), que é uma instituição oficial, para subsidiar o decreto que regulamentaria o tema. No entanto, o mesmo não foi utilizado para a elaboração da legislação estadual, sendo
posteriormente substituído por uma segunda nota da mesma instituição”, indicam os técnicos.

Decreto ‘abriu caminho’ para desmatamento no Pantanal

O decreto da Semadesc, baseado em estudo feito a pedido dos produtores, autorizava o desmatamento de até 60% da vegetação nativa em fazendas para pastagem de gado.

Enquanto isso, estudo oficial elaborado pela Embrapa indicava limite de 45% da supressão de vegetação nativa.

“Ou seja, não foi evidenciado que os limites máximos preconizados para supressão vegetal por propriedade para o Pantanal no estado do Mato Grosso do Sul na Nota Técnica da EMBRAPA, instituição oficial de pesquisa”, indica o ministério do meio ambiente, que conclui: ” Portanto, os princípios de uma exploração ecologicamente sustentável não são observados nessa normativa [da Semadesc]”.

Para comprovar o desmatamento desenfreado permitido pela Semadesc, dados do MapBiomas – sistema criado por rede de ONGs e instituiçoes para emitir alertas de desmatamento da vegetação nativa de biomas do Brasil – indicam que o número de hectares desmatados no Pantanal aumentou 86% após o decreto estaudal.

Enquanto que no período de 2009 a 2015 o desmatamento no Pantanal foi de 29 mil hectares/ano, de 2016 a 2021 saltou para 54 mil hectares/ano.

Logo, os técnicos concluem que mais de 400 mil hectares foram devastados no Pantanal com licenças emitidas pelo governo estadual, baseadas no decreto, considerado pelos técnicos como sem “base ou sustentação legal e científica”.

Desmatamento em fazenda de ‘Patrola’ e obras sem licenças ambientais

Após ser contratado para executar a obra da rodovia MS-228, no Pantanal, o empreiteiro  André Luiz dos Santos, o Patrola, ainda desmatou 1,3 mil hectares de fazenda na Nhecolândia, uma das regiões mais preservadas do bioma.

Reportagem do Jornal Midiamax mostrou que o empreiteiro dono de contratos milionários com o governo de MS conseguiu a licença para desmatar. Porém, o Imasul, órgão responsável pelas autorizações, afirma que seria para ‘só para 998 hectares’.

Vizinhos relataram à reportagem a rapidez com que a permissão para devastar área equivalente a 1.300 campos de futebol foi concedida. Após a constatação de destruição de 40% além do permitido, órgãos passaram a investigar o caso.

O superintendente do Imasul, André Borges Barros de Araújo, ressaltou que foi lavrado o auto de infração no valor de R$ 1,3 milhão e que a empresa do dono da fazenda está com a área embargada.

Também, a 2ª Promotoria de Justiça de Corumbá registrou notícia de fato para apurar o desmatamento desenfreado na fazenda Chatelodo, do empreiteiro.

A situação fica ainda pior, pois, mesmo com a licença em mãos, Patrola teria desmatado 73,98 hectares de área de preservação permanente, 25,31 de área de reserva legal e 36,78 de área declarada como remanescente de vegetação nativa.

A defesa do empreiteiro alegou que a documentação e laudo técnico indicariam que a constatação do Imasul se deu de forma equivocada, já que não foi feita de forma presencial, mas baseada em imagens de satélite.

Diante dos escândalos apontados em série de reportagens do Jornal Midiamax, o  (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul) mandou parar todas as obras em execução no Pantanal. Atualmente, 9 obras de rodovias estão paradas, pois estavam sendo executadas sem a licença ambiental.

Valas e ‘erro’ de Verruck

O titular da Semadesc, Jaime Verruck, também é o responsável por assinar a resolução o nº 15/2023, que libera abertura de valas de drenagem no Pantanal de MS.

O texto liberava o uso de drenagens na planície para beneficiar agricultores e evitar que plantios, principalmente de soja e milho, fossem colocados em risco, em razão das chuvas que atingiam o bioma.

Porém, a medida gerou indignação em ambientalistas, pois incluia áreas protegidas. Na época, o presidente do IHP (Instituto Homem Pantaneiro), o coronel reformado da PMA (Polícia Militar Ambiental), Ângelo Rabelo, avaliou que há falta de diálogo entre Estado e iniciativa privada para aliar preservação e produção.

“É um assunto que é importante construir a médio e longo prazo. Não há uma estratégia alinhada de preservação de recursos hídricos, e aí há uma ação isolada relacionada apenas ao agronegócio”, asseverou.

No dia seguinte, Verruck republicou a medida, retirando as áreas protegidas localizadas no bioma e alegou ‘erro de redação’.

Impactos ambientais sem precedentes

A nota técnica do Meio Ambiente inclui carta denúncia feita pelo Instituto Socioambiental da Bacia do Alto  SOS Pantanal em relação à liberação da abertura de valas para drenagem no Pantanal, que foi considerada “altamente danosa para o Pantanal e as áreas restritas anexas, pois permite que valas e drenos sejam abertos dentro de áreas que dependem do represamento da água para terem suas funções ecológicas mantidas. Os impactos causados por esses drenos podem ser extensos”.

Dessa forma, os técnicos alertam sobre danos sem precedentes a partir do entendimento da resolução da Semadesc. “Ou seja, os danos porventura gerados nas áreas úmidas dessas regiões, a partir da aplicação da Resolução SEMADESC nº 15, geram consequências no pulso de inundação e na qualidade de água que abastece o Pantanal, os quais, por sua vez, acarretam outros impactos ambientais”, pontuaram.

O documento é assinado pelos técnicos Fábio Chicuta Franco – analista ambiental do DCBIO/SBIO; Mateus Motter Dala Senta – analista ambiental; Maurício Pompeu – coordenador do gabinete da Secretaria Extraordinária de Controle do Desmatamento e Nadinni Oliveira de Matos Sousa – diretora substituta do DCBIO/SBIO.

A reportagem acionou a Semadesc para se posicionar sobre os levantamentos feitos pelos técnicos, mas não obteve retorno até esta publicação. O espaço segue aberto para manifestações.

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