Mandetta terá dificuldade de implantar terceiro turno nos postos públicos

Promessa do ministro, turno extra esbarra em altos custos

FOLHAPRESS

A criação de um terceiro turno em postos de saúde, uma das principais propostas do ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde) para o SUS, trará custos adicionais às prefeituras em um cenário de congelamento de gastos federais no setor.

Hoje, os municípios já investem, em média, 24,5% do orçamento em saúde, mais de 60% acima do que Constituição estabelece (15%).

Ainda não há cálculo do impacto da proposta nas prefeituras, mas, para o Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde) e especialistas, haverá muita dificuldade de implantá-la sem recursos federais adicionais.

“Alguns municípios já comprometem 35% da receita, e muitos estão diminuindo equipes, reduzindo horários e até fechando serviços”, diz Mario Scheffer, professor de saúde preventiva da USP.

Durante a campanha, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse que não aumentaria a verba do SUS por julgar que há dinheiro suficiente. Questionado, Mandetta disse na sexta (11), por meio da assessoria de imprensa, que poderá haver recurso extra.

A proposta do ministro é inspirada em uma experiência de Porto Alegre (RS), que tem três postos de saúde funcionando até as 22h, com a promessa de mais cinco até o fim do ano. O município tem 141 unidade de saúde, a maioria aberta das 8h às 17h.

Segundo o prefeito Nelson Marchezan Jr., (PSDB), a mudança envolveu gastos extras principalmente com novos médicos, a maioria terceirizados. O custo do horário expandido é de R$ 100 mil mensais por unidade. A verba da saúde municipal é de R$ 1,8 bilhão.

“É uma necessidade das pessoas que trabalham até as 18h e, antes, procuravam as emergências dos hospitais para problemas que poderiam ser resolvidos na atenção básica.”

Após a implantação do terceiro turno, há dois anos, casos menos complexos, que antes respondiam por 77% dos atendimentos nas emergências, representam agora 69%.

Na terça (9), a reportagem acompanhou o atendimento nos postos com horário estendido. Além de consultas e exames laboratoriais, eles oferecem vacinas, testes rápidos para HIV e hepatites, por exemplo, e tratamento odontológico.

Diabético e hipertenso, o taxista Enio Machado, 56, diz que não precisa mais faltar no trabalho para ir ao médico ou adiar a ida por falta de tempo. “Encerrei as corridas às 17h30, passei com o médico, peguei os remédios e estou indo embora”, disse às 19h10.

O terceiro turno tem se mostrado mais resolutivo: 87% dos pacientes têm as queixas resolvidas, contra 83% no período diurno. Mesmo com carga horária menor à noite, o número de consultas por médico é praticamente igual ao do dia.

“Durante o dia, há absenteísmo e reuniões de equipe intermináveis”, diz Pablo Stürmer, secretário da saúde.
Os problemas crônicos da atenção básica, porém, também aparecem nas falas dos pacientes. De 15 ouvidos pela reportagem, 8 já tinham passado durante o dia em outros postos, sem conseguir atendimento.

A dona de casa Marta Borges, 53, sentiu-se mal por volta das 12h e foi ao posto mais próximo de casa, mas não havia médico. Às 20h15, com falta de ar e dor no peito, procurou o centro de saúde do bairro da Tristeza, a 15 km de onde mora. A pressão arterial estava bem alta (17 por 10).

Às 20h50, ela já tinha se consultado com o médico, feito exames e sido medicada. Por volta das 21h30, com a pressão normalizada, foi dispensada.

A resolubilidade dos postos com horário noturno tem levado muita gente a procurá-los com horas de antecedência. O atendente Kevin Brendow, 22, foi a um deles às 15h30 com diarreia e vômito e pegou uma ficha com agendamento para as 20h40. “É melhor do que ir para uma emergência. Lá já esperei 24 horas.”

Segundo Stürmer, a secretaria está atenta a esses gargalos e tem buscado soluções, como limitar o horário de reuniões de equipes a duas horas por semana e determinar que os postos abram vagas diárias para consultas não agendadas.

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