“Brigamos com o Ministério da Saúde para vacinar as crianças”, diz secretário de Saúde

Secretário relatou desafios da pandemia e projetos para ampliação de atendimento especializado

Gabrielle Tavares, Mariana Moreira

Em entrevista ao Correio do Estado, o titular da Secretaria Municipal de Saúde (Sesau), José Mauro Filho, relatou como foram os últimos dois anos de enfrentamento à pandemia de Covid-19 em Campo Grande.

Conforme o secretário, o controle da crise sanitária depende agora da adesão à vacinação contra a doença, principalmente para as doses de reforço nos adultos, e da imunização infantil.

“Brigamos com o Ministério da Saúde para vacinar as crianças porque estamos alertando sobre o crescimento de casos de Covid-19 e H3N2, o que aumenta a demanda de leitos. E é importante ressaltar que não temos esses leitos [pediátricos] suficientes no País”, reiterou.

Para José Mauro, falta consciência dos pais ao recusarem vacinar seus filhos. Atualmente, o Ministério da Saúde permite a vacinação contra a Covid-19 de crianças de 5 a 11 anos com a dose pediátrica da Pfizer. No dia 20, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso da Coronavac para aplicação em crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos.

Sobre a ampliação da rede de atendimento da Capital, o titular da Sesau salientou que há projetos para um hospital exclusivo para atendimento às crianças, além de implementação de um hospital dia nas Moreninhas.

 

CORREIO DO ESTADO – a fila por procedimentos eletivos não tem fim na Capital. Como o senhor avalia a situação hoje? Quantas pessoas estão à espera de cirurgias no município? E em relação aos exames, o senhor tem uma estimativa de quantos pacientes estão na fila para estes procedimentos?

 

JOSÉ MAURO FILHO – as cirurgias eletivas têm sido um desafio em nível nacional, nós já temos dois anos em que muitos procedimentos não foram feitos por conta da pandemia de Covid-19. Em Campo Grande, especificamente, trabalhamos para que a rede hospitalar fosse mudada para absorver o impacto de pacientes acometidos por essa doença, transferindo todos os pacientes do Hospital Regional que não se enquadravam como síndrome respiratória para as demais unidades de saúde do município.

Por meio de um chamamento público, conseguimos transferir enfermos do Regional para o El Kadri, a Clínica Campo Grande e o Proncor e, com isso, houve a paralisação dos procedimentos eletivos pelos planos de saúde e pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Com o tempo, conseguimos retomar as cirurgias eletivas, mas não na velocidade em que precisávamos. Por exemplo, a Maternidade Cândido Mariano passou a oferecer cirurgias pediátricas e ginecológicas, o Hospital São Julião ficou encarregado de procedimentos cirúrgicos para a reparação de hérnia de disco e o Hospital do Pênfigo e a Santa Casa ficaram com as cirurgias ortopédicas em geral.

O governo estadual lançou o Opera MS e o Examina MS, e, até agora, não conseguimos efetivar os atendimentos em razão da alta demanda de leitos para Covid-19 e H3N2. Nós ainda estamos conseguindo distribuir esses pacientes eletivos nos demais hospitais, mas, uma vez aumentando a demanda de casos de síndromes respiratórias, as cirurgias eletivas podem ser afetadas. Na Capital, temos por volta de seis mil pacientes à espera de um procedimento cirúrgico não emergencial e 30 mil no aguardo por exames.

 

Como o senhor avalia a adesão dos hospitais ao programa Opera MS, da Caravana da Saúde? Falta interesse das instituições de saúde em participar do convênio com o Estado e o município para diminuir a fila por cirurgias eletivas?  

Nós tivemos a adesão de quatro hospitais e abrimos um novo credenciamento para a rede privada e para cirurgias ortopédicas. Essa parceria melhorou, por exemplo, o Hospital do Pênfigo, que aderiu a uma série de procedimentos que antes não eram feitos na instituição, por uma questão de uma tabela. Por isso, os termos aditivos foram sendo ajustados.

No entanto, do início de janeiro para cá, houve o aumento de casos de Covid-19 e o próprio [Hospital] Regional já tem uma plenitude na sua capacidade de atendimento, e, se precisarmos ampliar mais leitos lá, teremos que diminuir outras linhas eletivas que a unidade está atendendo, como o setor de cardiologia.

Algumas especialidades acabam sendo afetadas diante da urgência do paciente respiratório, que morre sem um leito de UTI. É uma questão de prioridade, já que o paciente eletivo pode esperar um pouco mais por seu procedimento.

No meio do ano passado renovamos os contratos com os hospitais. Com a necessidade de fazermos mais de 30 mil exames, o programa Examina MS vem nesse sentido, sendo, inclusive, o que teve a maior adesão.

Como está o andamento do projeto do Hospital das Moreninhas? O senhor acredita que a implementação do Hospital Dia Vó Honória Martins Pereira deve sair do papel ainda este ano?  

Está em fase de planilhamento e tem recursos já destinados: de bancada, serão R$ 12 milhões que virão para término de ampliação e reforma. Também já pedimos R$ 10 milhões para compra de equipamentos para toda a unidade – salas de cirurgia e exames de tomografia, ultrassom, endoscopia e colonoscopia. Teremos neste local um centro de radiologia e cirurgias eletivas. A previsão é de que ele seja estruturado nos próximos dois anos. Esperamos que a licitação saia neste ano, para em 2023 as obras começarem.

É um hospital que terá capacidade para 250 a 300 procedimentos cirúrgicos por mês, haverá uma série de procedimentos em diferentes especialidades para que o paciente seja internado pela manhã e receba alta de noite. O Hospital Dia poderá atender justamente a nossa demanda de cirurgias eletivas.

 

Anunciado em 2019, o Hospital Municipal de Campo Grande permanece como um sonho distante para a população. Com a pandemia de Covid-19 ainda em foco, há previsão para o início das obras do hospital?

Em 2019, começamos com o planejamento de um hospital municipal, no entanto, veio a pandemia de Covid-19 em dezembro de 2019 e todos os esforços foram direcionados para o tratamento do coronavírus.

Foram gastos mais de R$ 100 milhões de município, Estado e governo federal para atendimento da Covid-19 em leitos hospitalares. Saímos de 116 leitos e chegamos até 360, criamos mais de 200 leitos de CTI em Campo Grande. Se olharmos por essa perspectiva, já seria um hospital de grande porte.

Ainda não há previsão para início das obras, mas tenho certeza que, até o fim deste mandato, vamos ter um projeto para construção deste hospital e vamos trabalhar para que ele seja uma realidade.

 

O Hospital do Idoso em Campo Grande será o terceiro do País com atendimento exclusivo à faixa etária acima dos 60 anos. Em que estágio está o projeto?

Esse é um projeto em nível estadual que foi lançado para captar recursos iniciais para a obra. Foi criada uma comissão com o município e o Estado para estudar o que terá de serviços dentro dessa unidade.

Por ser um hospital de idoso, será necessário ter cardiologia, neurologia, psiquiatria, ortopedia e uma série de serviços direcionados para atendimentos de doenças crônicas.

A previsão de entrega foi feita pelo Estado e existe no momento a captação de recursos, por meio do fundo anunciado pelo governador. Existe ainda a necessidade de, a longo prazo, observar de que forma os novos gestores que vão assumir o cargo em 2023 entendem a necessidade para que esse projeto saia do papel.

 

Qual o estágio da implementação do hospital especializado no atendimento às crianças? Quando a unidade deve começar a funcionar de modo definitivo na Maternidade Cândido Mariano?

Na linha pediátrica existe uma dificuldade de implementação em qualquer cidade, mas vamos falar em Campo Grande. Você tem um número de profissionais que atende a rede privada e a rede pública e, com certeza, por volta de 70% destes atendem ambas.

Nós temos dificuldades nas UPAs para fechar as escalas de atendimento durante o dia, porque são profissionais que trabalham nos hospitais e em suas clínicas privadas. Nós iniciamos o estudo para poder implementar, por exemplo, o Hospital da Criança, que era privado e fechou, mas eu tenho uma dificuldade de aquisição de estruturas – isso é uma situação em que a Maternidade Cândido Mariano, ao lado, poderia ser a melhor opção.

Esta, inclusive, foi a nossa proposta. No entanto, o governo do Estado afirmou que ali era um hospital pequeno e que precisávamos de um espaço vertical e, provavelmente, no dia 8 de março haverá o lançamento deste novo projeto na Maternidade.

Na Cândido Mariano, conseguimos ampliar quatro leitos de UTI e [criamos] mais 11 vagas de atendimento intermediário que devem ser entregues nos próximos três meses.

 

Com os casos de síndromes gripais acometendo cada vez mais as crianças, o que está sendo feito pelo município?

Estamos correndo com a vacinação infantil, o calendário contra a Covid-19 está todo aberto para as 90 mil crianças de Campo Grande, mas temos apenas 13 mil vacinadas. Isso é uma responsabilidade dos pais, eu preciso de uma terceira pessoa para imunizar as crianças, e é neste ponto que estamos com dificuldades, temos que garantir o direito dos filhos serem vacinados. É uma questão de saúde pública, e o que está existindo nesse sentido é uma politização de uma questão sem precedentes na história.

Temos diariamente uma série de informações que não são a realidade, e isso dificulta muito o nosso trabalho. Estamos correndo com a vacinação porque, se tivermos uma pandemia que atinja a faixa etária de 5 a 11 anos, nenhuma cidade do Brasil terá leitos pediátricos suficientes para a demanda.

Mato Grosso do Sul atingiu nesta semana 160% de ocupação em UTIs, ou seja, estamos observando um aumento. Brigamos com o Ministério da Saúde para vacinar as crianças porque estamos alertando sobre o crescimento de casos de Covid-19 e H3N2, o que aumenta a demanda de leitos, e nós não temos esses leitos no País. Esse é o nosso grande drama.

 

Como o senhor avalia o atual momento da pandemia?

Nós estávamos há dois meses com tranquilidade em relação ao número de contaminados, óbitos e demanda de leitos. Temos, hoje, mais de 19 cepas da Covid-19, e a última é uma variante extremamente contagiosa que surgiu depois do desenvolvimento de todas as vacinas, em que toda a indústria farmacêutica afirmou que, com as três doses, haveria proteção contra a Ômicron. Há um desfecho que evita a letalidade, e não a contaminação.

 

A saúde pública sempre foi um desafio para qualquer gestor, mas, agora, nestes anos de pandemia, como o senhor avalia o trabalho feito pelo SUS e qual tem sido o maior desafio para a Sesau?

Eu acredito que o sistema de saúde público no Brasil foi colocado em prova e posso dizer com toda a certeza que, se não fosse o SUS, nós teríamos um verdadeiro desastre humanitário.

Campo Grande conseguiu uma boa relação com os governos estadual e federal, o que nos garantiu ampliação de leitos de UTI e compra de equipamentos. E mesmo assim tivemos mais de quatro mil mortes.

Tivemos funcionários que perderam o filho por causa da Covid-19 e, no mesmo dia, estavam se vacinando. É com esse espírito de humanidade que nós conseguimos combater essa doença.

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