Alexandre Magno Lacerda: “O Ministério Público também deve construir soluções”

Para procurador-geral de Justiça, instituição deve ser mais participativa e menos demandista

Eduardo Miranda

Em pouco mais de seis meses no cargo de Procurador-Geral de Justiça de Mato Grosso do Sul, Alexandre Magno Lacerda tem enfrentado grandes desafios para a instituição que lidera. E para superar todos eles, sobretudo o da pandemia de Covid-19, a atuação mais construtiva – e menos demandista – tem feito a diferença neste período a frente do Ministério Público de Mato Grosso do Sul.

Mas também existem outros desafios, de médio e longo prazo, que já estão sendo implementados pelo procurador-geral, o primeiro promotor de carreira a ocupar o cargo. A lei orgânica da instituição deve ter sua reforma aprovada nesta semana, e as estratégias de construção de soluções em vários setores deve ser a marca da gestão de Alexandre Magno Lacerda na instituição.

O procurador-geral recebeu o Correio do Estado para falar da atuação da instituição neste ano desafiador e também para comemorar o Dia Nacional do Ministério Público, celebrado neste dia 14 de dezembro.

Correio do Estado: Conte-nos as principais mudanças da Nova Lei Orgânica do Ministério Público.

Alexandre Magno: Temos alguns dispositivos que alteramos na lei. Durante muitos anos, o Ministério Público de 1994, que foi forjado em 1988, deu muita atenção para as palavras “independência funcional”, e isso acabou gerando muitos dissabores, especialmente na forma não concertada de atuação da instituição. Quando se tratava de um mesmo assunto, um promotor agia de uma forma em uma cidade do norte do Estado e de outra em outra cidade do sul, por exemplo.

Nesta lei, trazemos diversos dispositivos que fortalecem a atuação uniforme dos promotores. O reflexo destas mudanças já podemos ver, com a atuação uniforme dos promotores no enfrentamento à pandemia de Covid-19.

Temos também mais mudanças, que vieram no sentido de modernizar a instituição. A legislação do Ministério Público de Mato Grosso do Sul era a mais fechada de todo o Brasil. Os outros estados tinham mais abertura, como para a participação de promotores em organização de concursos, na promoção de centros de apoio operacionais. Também podem ser procuradores adjuntos. Essas questões que vimos como funciona nacionalmente e trouxemos para evoluir.

Também regulamentamos o trabalho virtual. Hoje, com a pandemia, nós vimos a necessidade de se atuar de forma virtual para que você possa fazer julgamentos virtuais mais rápidos, céleres.

Isso significa que, com as mudanças, o promotor deve atuar cada vez mais fora do processo judicial e mais na resolução das demandas?

Com certeza. O promotor de Justiça tem de ser um agente político de transformação social. O Ministério Público que eu acredito, e que eu venho tentando através das nossas equipes, com os núcleos e apoios, é aquele em que o promotor de Justiça transforma a realidade de sua comunidade.

E nós fomos criados e forjados na faculdade a sermos demandistas, em que nos sentamos, fazemos um inquérito civil e ingressamos com uma ação civil pública. Esse caminho não soluciona o problema.

O Ministério Público que eu acredito e quero que seja daqui para frente é uma instituição que constróis soluções. Para isso se exige diálogo, pensar junto com o gestor e com a sociedade e, óbvio, aí sim, em situações onde não há mais o que fazer, se judicializa.

Além da pandemia, também temos outra grande demanda nos últimos anos, que é relacionada ao meio ambiente. Como o Ministério Público pretende atuar nessa área?  

Essa é uma área que merece bastante destaque. Estou criando no gabinete da procuradoria-geral, para 2021, um núcleo de composição de altas demandas, em que o promotor traz uma situação de grande repercussão e o nosso gabinete ajuda chamando o gestor, representantes da sociedade e o próprio promotor de Justiça para podermos construir soluções.

Um exemplo é o TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] firmado com o governo do Estado da TI [Tecnologia da Informação], que em dois anos envolve quase R$ 2 bilhões e que vai mudar completamente a forma de contratação de TI.

Isso também reduz o desgaste e abre espaço para as demandas de maior monta?

Em qualquer país civilizado, a Justiça negociada é o melhor caminho. Por meio dela se consegue soluções para todos. E melhor, você tem conversa, diálogo, você tenta achar soluções.

Vejamos neste ano de 2020, a atuação do procurador de Justiça, aquele que você instaurava um inquérito, mandava um ofício. Por exemplo, leitos de UTI: seriam 10 dias para se responder, 20 dias depois viria a resposta. Era impossível, não serve para nada mais, ficou defasado.

Fazer a atuação à moda antiga ficou defasado e fora do tempo. Temos de sentar e resolver o problema no dia.

Está faltando aparelhos? Respirador? Tem de resolver no dia, se não as pessoas irão morrer. Aquela atuação burocrática de outrora não cabe mais neste ano de 2020. É uma nova era. Resposta rápida e soluções rápidas.

E como fica o conflito de informações, e dos direitos coletivos e individuais nestes tempos, com pandemia e muitas notícias falsas?

O problema é que vivemos uma era das informações rápidas. Temos muitas fake news, muita mentira circulando. O papel de toda a sociedade, do Ministério Público, dos veículos de comunicação responsáveis é o de levar informações verdadeiras.

Por óbvio, existe tem muita incerteza sobre muitas coisas. Nossa atuação como instituição é a de buscar sempre a certeza, se informar, acompanhar todas as etapas do processo de vacinas, confiabilidade científica, e tentar esclarecer para a população que é o caminho certo. No momento oportuno a gente vai participar dessa discussão com a sociedade. De forma responsável.

Nesta década que se inicia, também há uma tendência maior da sociedade no sentido de proteção e afirmação das minorias. Onde entra o Ministério Público nestas demandas?

O Ministério Público tem o dever fundamental de defesa dos Direitos Humanos. Esse é um dos pilares da nossa atuação funcional, e temos uma atuação excepcional na defesa das minorias. Contra o preconceito, racismo e discriminação a todos os grupos que exigem um olhar mais apurado de proteção da sociedade. Temos um grupo de direitos humanos que funciona muito bem nacionalmente. A defesa dos direitos humanos é um dos pilares da instituição.

Fale-nos de algumas ações para construir esta nova realidade.

Já reforçamos a ocupação de cargos por mulheres nas instituições. Quase metade dos cargos que temos no gabinete são de mulheres, mas somente por isso, mas também porque elas são muito competentes no que fazem. Acabamos de lançar uma campanha no transporte coletivo, em defesa das mulheres, e vamos fazer também uma campanha de combate ao racismo. Acho que é preciso fazer com que uma geração enxergue de uma forma e respeite o outro. Isso sim é direito humano. Que sinta que a pessoa que praticou o crime tenha um olhar mais acurado com a vítima. A vítima também é um cidadão que deve ser amparado pelo Estado. Temos de ter um olhar de conscientização, construtivo, para mudar a cabeça, concepção, orientação da população.

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