Vaza Jato: Moro teria mentido sobre padrão da Lava Jato ao divulgar grampo de Lula

Poder360

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, teria mentido quando justificou a divulgação de gravação de conversa de Lula. Na época, o então juiz feral afirmou que divulgar à imprensa conversas gravadas de investigados era 1 procedimento padrão da Lava Jato. No entanto, levantamento feito pela operação em 2016, nunca divulgado, mostra que o procedimento adotado no caso de Lula foi diferente de casos semelhantes.

A informação foi divulgada neste domingo (24.nov) em reportagem da Folha de S. Paulo em parceria com o The Intercept Brasil, site que tem divulgado conversas atribuídas a Moro e a procurados do MP (Ministério Público).

Segundo o levantamento da Lava Jato, em 8 outras investigações também houve escutas telefônicas. Somente no caso de Lula, no entanto, os áudios foram anexados aos autos e o processo foi liberado ao público sem sigilo.

O documento aponta que em todos os outros casos supervisionados por Moro o sigilo foi restrito. Apenas os advogados das pessoas investigadas puderam ter acesso aos relatórios da Polícia Federal e aos áudios com as conversas interceptadas.

O levantamento mostra ainda que o ex-juiz tirou o sigilo, além do caso de Lula, somente da interceptação que teve como alvos Duque e 1 grupo de empreiteiros presos em novembro de 2014. Mas nenhum áudio foi anexado, e a PF levou 3 meses para apresentar relatório sobre a escuta.

À Folha, Moro e os procuradores da Lava Jato disseram  que discordam das conclusões do levantamento feito em 2016. Segundo eles, a regra era divulgar tudo que tivesse interesse público e não houve diferença no tratamento do caso de Lula.

Segundo as mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil, o levantamento sobre as decisões anteriores de Moro foi feito por duas estagiárias da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Ele foi encaminhado à procuradora Anna Carolina Resende, que na época assessorava Janot, em 18 de março.

O levantamento interno causou desconforto, como mostra conversa obtida pelo The Intercept (leia ao fim do texto). Ele havia sido feito para que os procuradores tivessem elementos que pudessem ajudar a defender Moro contra as críticas que sua decisão recebera, mas ficaram frustrados com os resultados.

“Pelella perguntou a Deltan se liberar o sigilo era o padrão ordinário de Moro e ele disse que sim”, afirmou Anna Carolina aos colegas de Curitiba no Telegram. “Lendo as decisões que PG me mandou não vi em nenhuma delas abertura de sigilo amplo”.

O ministro Teori Zavascki, que era o relator das ações da Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal), chegou a repreender Moro pela maneira como retirou o sigilo da investigação.

Apesar disso, as reclamações dirigidas em relação à divulgação de conversa grampeada de Lula ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) foram arquivadas sem que o ex-juiz federal sofresse algum constrangimento.

CONVERSA DE LULA

As conversas foram divulgadas em 16 de março de 2016, mesmo dia em que o Planalto anunciou, por meio de nota, a nomeação do ex-presidente Lula para o cargo de ministro da Casa Civil. Caso ele de fato fosse nomeado, o petista passaria a ter foro privilegiado e as investigações contra ele na Lava Jato deixariam a procuradoria de Curitiba e passariam para o comando do procurador-geral da República, que na época era Rodrigo Janot.

O ministro Gilmar Mendes suspendeu a nomeação, em 18 de março, 2 dias depois a divulgação da conversa do ex-presidente. A divulgação também contribuiu para acirrar tensões no ambiente político da época, que discutia a possibilidade de abertura do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Milhares haviam ido às ruas protestar contra o governo petista em Brasília e em São Paulo logo depois que os diálogos vieram a público.

Na época, o ato de Moro gerou ampla discussão, não só por envolver a presidente da República, mas porque foi a gravação foi feita depois que o então juiz já tinha mandado interromper a escuta nos telefones de Lula. O diálogo foi grampeado porque uma das operadoras de telefonia demorou a cumprir a ordem do juiz.

O fato é 1 dos elementos que compõem o pedido de suspeição de Moro feito pela defesa de Lula ao Supremo. A defesa alega a parcialidade do então juiz ao julgar os processos do ex-presidente. Ainda não há data para julgamento do pedido, que deve ficar para 2020, como informou a jornalista Mônica Bergamo, da Folha, no sábado (23.nov.2019).

Na Lava Jato, Lula foi condenado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro em duas ações conduzidas pela Lava Jato em 2016:

  • do tríplex do Guarujá: 8 anos, 10 meses e 20 dias de prisão em 2ª Instância;
  • do sítio de Atibaia (SP): 12 anos e 1 mês de prisão, na 1ª Instância.

O ex-presidente ficou preso por 580 dias pelo caso do tríplex. Foi solto em 8 de novembro, depois da mudança na orientação do Supremo para prisão de condenados em 2ª Instância.

O QUE DIZ MORO

Segundo a Folha, Sergio Moro defendeu as decisões que tomou como juiz da Lava Jato e acusou o jornal de praticar sensacionalismo e revisionismo ao questionar a maneira como ele levantou o sigilo das investigações sobre o ex-presidente Lula em 2016.

Sua conduta no caso da interceptação dos telefones do ex-presidente, diz Moro, apenas seguiu a lei e a prática adotada em outros processos da operação. “Na Operação Lava Jato, foi adotado como prática o levantamento do sigilo sobre as investigações, tão logo a publicidade do processo não mais oferecesse risco a elas”, afirmou. “O sigilo foi levantado em dezenas e dezenas de processos semelhantes.”

Além disso, Moro disse que o levantamento do sigilo no caso de Lula era “medida ainda mais justificada diante dos indicativos de que estaria em curso tentativa espúria de obstrução da Justiça”.

O ministro não quis comentar sobre o levantamento feito em 2016 por integrantes da Lava Jato, que concluíram que ele não adotou no caso de Lula o mesmo procedimento de outras investigações em que houve interceptação telefônica.

CONVERSAS

Eis abaixo as conversas obtidas pelo The Intercept Brasil. A transcrição das mensagens manteve a grafia original dos arquivos obtidos.Mensagens sobre outros assuntos foram suprimidas nos pontos indicados com o sinal “[…]”, bem como a identidade das estagiárias da força-tarefa e diálogos sobre a reportagem da Folha cuja divulgação representaria violação do sigilo garantido à relação de jornalistas com suas fontes.

  • 18.mar.2016:

Anna Carolina Resende –  12:45:30 –  pessoal, com relação à decisão de levantamento de sigilo de moro, será que vcs conseguiem levantar as decisões semelhantes dele envolvendo interceptação

12:45:43 - ?

12:46:11 –  só para demonstrarmos que ele nao agiu fora da curva nesse caso específico

Paulo Roberto Galvão – 12:46:36 – Carol, vou pedir p o pessoal olhar

Anna Carolina – 12:47:17 – acho que essa é uma frente que ainda não foi explorada de defesa do ato

O procurador Paulo Roberto Galvão pediu o levantamento a duas estagiárias da força-tarefa de Curitiba, que já estavam pesquisando o assunto.

Galvão – 13:03:04 - Pessoal, posso pedir p as meninas pesquisarem isso? […]

Estagiária 1 – 13:07:29 – Pode deixar que vemos isso, Dr

13:09:16 – Porém, já aviso que eu e a […] demos uma olhada em outros casos ontem e nenhum deles tem sigilo nível 0. Todos são nível 1. Ademais, nunca há juntada dos áudios no processo, apenas dos relatórios

13:09:35 – Então não sei até que ponto será útil ou benéfico usar as decisões

Estagiária 2 – 13:12:22 - Pelo que levantamos ontem, só no caso das empreiteiras é que o Moro baixou totalmente o sigilo (para 0).

  • Citações:
    • Sigilo nível 0: processos abertos a consulta pública na internet, com chave numérica fornecida pela Justiça Federal;
    • Sigilo nível 1: processos abertos apenas para advogados dos investigados.

Uma hora depois, Galvão encaminhou a Anna Carolina o levantamento feito pelas estagiárias da força-tarefa.

Galvão – 14:10:47 - Segue o que encontramos:

14:10:47 - 1. Decisão de levantamento de sigilo deferida no BA da primeira fase, com as certidões de levantamento de sigilo da interceptação do Chater, do AY e da Nelma

14:10:47 – [Documento compartilhado]

14:10:47 – [Documento compartilhado]

14:10:47 - [Documento compartilhado]

14:10:47 - [Documento compartilhado]

14:10:47 - 2. Empreiteiros:

14:10:47 - [Documento compartilhado]

14:10:47 - 3. MO

14:10:47 - [Documento compartilhado]

14:10:47 - 4. Zwi

14:10:47 - [Documento compartilhado]

14:10:47 - 5. Certidão Raul

14:10:47 - [Documento compartilhado]

Anna Carolina – 14:14:57 - Excelente

Galvão – 14:17:48 – tem que dar uma olhada pq parece que o grau de levantamento do sigilo não é sempre igual mesmo

  • Citações:
    • BA, Chater, AY e Nelma: Operação de busca e apreensão que teve como alvos os doleiros Alberto Youssef, Carlos Habib Chater e Nelma Kodama;
    • MO:  0 empresário Marcelo Odebrecht;
    • Zwi: o lobista Zwi Skornicki;
    • Raul: o doleiro Raul Srour.

Após a publicação de uma reportagem da Folha, informando que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, dera seu aval à divulgação dos telefonemas de Lula, os procuradores criticaram o jornal e voltaram a discutir o assunto no Telegram.

Anna Carolina – 15:13:35 - Meninos, vi agora a notícia da Folha e acho que ela está truncada sobre o levantamento do sigilo. A matéria diz que Janot deu aval para o levantamento do sigilo. Na verdade, Janot não se opôs fosse adotado o procedimento padrão de moro em relação ao sigilo da interceptações

15:15:28 – Pelella perguntou a Deltan se liberar o sigilo era o padrão ordinário de Moro e ele disse que sim. Lendo as decisões que PG me mandou não vi em nenhuma delas abertura de sigilo amplo, todas mantêm o sigilo nivel I, que impede o acesso de terceiros. Tô com receio que isso cause um enorme ruído com Janot

15:27:26 – tem várias informações erradas na nota da Folha

[…]

15:29:44 – a nós nunca foi dito que vcs é que pediriam o levantamento do sigilo, nem ficou dito na matéria que não tinhamos conhecimento acerca do diálogo envolvendo a presidente Dilma. A rigor, o que janot fez foi não se opor ao procedimento de Moro

[…]

Deltan Dallagnol – 15:36:56 – Agora está lá que pediu pra seguir o procedimento padrão

15:37:11 - Consta também após a figura que Janot não foi informado da existência da ligação entre Dilma e Lula

[…]

Anna Carolina – 15:40:44 - isso vai dar m… grande

[…]

17:21:00 - Olhe, sinceramente, não entendi qual foi o objetivo dessa informação sobre o conhecimento prévio de Janot

17:22:39 - A matéria trouxe p o colo dele uma responsabilidade que não é dele. Não foi ele quem decidiu pela publicidade.

Sergio Bruno Cabral Fernandes – 17:24:34 - Parece que ele está furioso com essa história.

Galvão – 17:25:46 – Carol, desculpe estou meio por fora da divulgação, mas a minha ideia seria não deixar o Moro como afrontando o PGR e o STF. Creio que foi nessa linha que Deltan falou com Pelella antes de divulgar. Mas ele pode dizer melhor.

Anna Carolin – 17:29:59 - Rapaz, pense numa decisão desastrosa

  • Citações:
    • PG: O procurador Paulo Roberto Galvão;
    • PGR: O procurador-geral da República, Janot;
    • STF: Supremo Tribunal Federal.
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