“Perda de olfato indica 99% de chances de ser coronavírus”, diz presidente da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia

Daniella Franco
Febre, tosse, dificuldade para respirar, forte cansaço, nariz congestionado, dor de cabeça e no corpo: o mundo inteiro tem na ponta da língua os principais sintomas do coronavírus Covid-19. No entanto, dois outros novos indícios que já vinham sendo sendo observados por médicos e especialistas foram confirmados pelas autoridades francesas: a perda do olfato e do paladar.

“O Conselho Nacional Professional de Otorrinolaringologia nos indicou o aumento da anosmia. Trata-se de um forte desaparecimento do odor, sem obstrução nasal e que pode acontecer de forma isolada”, afirmou o diretor-geral de Saúde da França, Jérôme Salomon.

Paralelamente, a Sociedade Francesa de Otorrinolaringologia emitiu um alerta, através das redes sociais, apontando que médicos especialistas na área, além de infectologistas franceses, vêm constatando esse sintoma em pacientes contaminados pelo coronavírus. Segundo o órgão, a anosmia relatada pelos infectados é frequentemente associada à ageusias, ou seja, perdas ou a alterações do paladar.

O presidente da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial, Richard Voegels, diretor de Rinologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, confirmou à RFI que casos de perda do olfato, aliados à dificuldades de sentir sabor, vinham sendo relatados por contaminados pelo Covid-19 na China, Coreia do Sul e Itália – países mais atingidos pelo coronavírus. Segundo ele, médicos brasileiros também vêm registrando esses sintomas entre os pacientes infectados no país.

“Nós, que estamos começando a enfrentar essa epidemia aqui, percebemos que a maioria dos pacientes infectados ou perderam ou tiveram uma diminuição no olfato. Eu diria que se uma pessoa perde hoje o olfato em um quadro viral, há 99% de chances de ser coronavírus”, afirma Voegels.

Relação entre a anosmia e o Covid-19

O chefe do serviço de Rinologia do Hospital das Clínicas da USP explica que, antes da pandemia de Covid-19, a anosmia era um fenômeno raro, causado geralmente pelo vírus da herpes. Segundo ele, a perda do olfato acontece quando o vírus inflama o nervo olfatório, dentro do nariz.

“Como qualquer nervo, o olfatório, quando inflamado, deixa de funcionar. Já víamos isso acontecer com casos de herpes, mas era muito raro. O coronavírus provavelmente tem um tropismo pelo nervo olfatório, infecta e inflama esse nervo. E aí, quando o nervo inflama, o estímulo elétrico do olfato não chega no cérebro”, explica Voegels.

Segundo ele, a capacidade dos infectados pela doença de sentir o gosto dos alimentos também pode ficar comprometida, fenômeno conhecido como ageusia. “O paladar depende muito do olfato. Quando nos alimentamos e estamos com o nariz congestionado, por exemplo, já percebemos o quanto não conseguimos sentir o gosto. Então é normal ter esse sintoma junto com a perda do olfato”, reitera.

O especialista alerta que um paciente contaminado pelo coronavírus que tem anosmia não é necessariamente considerado um caso grave. “O que é crítico é ter febre alta, insuficiência respiratória, dores fortes no corpo. Não falamos muito até agora na perda do olfato entre os infectados pelo Covid-19, porque, diante de tantos outros sintomas, às vezes o paciente nem prestava muito atenção que não estava mais conseguindo sentir o cheiro e o gosto.”

Voegels destaca, no entanto, que embora ainda não haja dados sobre a quantidade de pacientes que registram a perda do olfato e do paladar, a relação desses sintomas ao Covid-19 é importante para os médicos e especialistas que trabalham no combate à doença. “Isso nos ajuda no diagnóstico precoce do coronavírus, até porque, aqui no Brasil, o resultado do exame demora até sete dias para sair. Então, quando detectamos esse sintoma, já podemos começar a agir”, destaca.

Como reagir em caso de perda do paladar

O chefe do serviço de Rinologia do Hospital das Clínicas da USP afirma que não há motivo para preocupação caso a pessoa perceba que perdeu o olfato e o paladar. “Nossa recomendação, para os pacientes em que os sintomas do coronavírus são leves, é não sair de casa para não transmitir o vírus. Então, se a pessoa perceber que perdeu o olfato, mas está bem, ela deve saber que provavelmente tem o Covid-19 e tem que se isolar. Ir para o hospital não vai fazer diferença para ela, só vai contaminar outras pessoas.”

Voegels afirma que ainda não há estudos ou dados suficientes sobre as consequências da anosmia em pacientes contaminados pelo coronavírus. “Na maioria dos casos, vai depender da intensidade da inflamação do nervo olfatório. Se for uma inflamação leve, o nervo vai só inchar e não vai degenerar. Então, o olfato vai voltar”, garante.

No entanto, em casos de lesões importantes, o médico não descarta a anosmia permanente. “Na maioria das vezes o olfato volta. Mas pode demorar meses e pode não voltar. No momento, não estamos produzindo estatísticas sobre esses casos porque nossa prioridade é tratar as pessoas, então, só daqui a algum tempo teremos mais esclarecimentos sobre esses sintomas”, completa.

O que sentem os contaminados com anosmia

Na França, vários pacientes contaminados pelo coronavírus registraram a perda do olfato e do paladar. A diretora de escola Sandrine Houriez-Schuletzki, de 48 anos, foi uma das primeiras pessoas a realizar o teste do Covid-19 no país e teve a contaminação confirmada. Ao jornal Le Monde, a francesa que trabalha no mesmo colégio do norte da França onde um professor faleceu de coronavírus em fevereiro, afirmou que não sabe se está completamente curada e que ainda sofre de anosmia.

“Dia 21 de fevereiro comecei a me sentir mal, tive febre forte, dores lombares e nas pernas. No dia seguinte, meu médico diagnosticou uma gripe. Quatro dias depois, voltei a contatar meu médico com sintomas de sinusite e dor de cabeça. Ele me prescreveu antibióticos. Dia 26 de fevereiro fiquei sabendo que um professor da minha escola havia falecido. O médico da reitoria me pediu para ficar confinada e telefonar para o Samu. Mas como o serviço estava lotado, não consegui acessá-lo até 28 de fevereiro, quando fui encaminhada para o Hospital de Amiens. Meu marido e minha filha não tiveram os sintomas e não foram testados”, relembra.

“Dia 29 de fevereiro recebi o resultado atestando positivo, fui hospitalizada no dia seguinte. Não tinha mais febre, nem sintomas graves, mas dor de cabeça, diarreia, e só me dei conta muito tempo depois que tinha perdido o olfato. Ainda não consigo sentir o cheiro de nada e me preocupo com possíveis consequências. Parece que há a possibilidade que a gente tenha sequelas”, afirma.

A oftalmologista Rebecca, de 32 anos, moradora de Paris, também se diz assustada com a perda do olfato. “Fui diagnosticada positiva em 12 de março. Na noite de quarta-feira (11) à quinta-feira (12), comecei a tossir e tive febre de 38,5°C, eu não estava me sentindo nem um pouco bem. Fiquei realmente preocupada. Telefonei diversas vezes para o Samu, mas o serviço estava saturado. Às 4h da manhã consegui falar com o serviço de emergência, que me enviou para fazer o teste no Hospital Cochin. Às 19h45 tive o resultado por telefone”, conta.

“Ainda tenho sete dias de quarentena, mas não tenho mais muitos sintomas. Não consigo mais sentir o cheiro das coisas, é estranho e assustador. É como se fosse uma gripe forte, só que consigo respirar pelo nariz. Várias das minhas amigas médicas perderam o olfato. Parece que isso dura muito tempo. É perturbador”, reitera.

Repórter da RFI é caso suspeito de Covid-19

Como há falta de testes do Covid-19 na França, os médicos estão utilizando as ocorrências da anosmia para identificar casos suspeitos. Foi o que aconteceu com a repórter da RFI Márcia Bechara, que não foi oficialmente diagnosticada com o coronavírus, mas registrou esse indício da doença.

“O curioso foi como apareceram os sintomas. Do último domingo (15) à segunda-feira (16), perdi completamente o olfato, e, com ele, a sensação do paladar. Achei um pouco estranho, mas não dei muita bola, botei na conta de uma gripe simples, e do stress causado pelo anúncio do início do confinamento na França, depois da declaração num tom bastante solene do Macron no domingo“, conta ela.

“No meu caso, assim como outros relatos, não se trata de uma diminuição de olfato e paladar como as que a gente está acostumado a ter em gripes comuns. É completamente diferente. Como percebi que isso apareceu de uma hora para outra e sem nariz entupido, é como se você perdesse completamente o gosto das coisas. A sensação é muito esquisita, porque, para mim, não veio acompanhada dos sintomas tradicionais como coriza e outros”, diz.

“No começo, minha tendência, quando percebi esses sintomas, foi tentar temperar mais a comida, tomar chás aromáticos. Comecei a fazer uns testes para ver como reagia. Fiquei em alerta quando vi que não recobrava o olfato”, reitera.

A repórter ressalta que, até o momento, não pode ser testada, mesmo após uma nova consulta na sexta-feira (20). Devido à falta de material, apenas as equipes médicas e pacientes em estado grave, que precisam de hospitalização urgente, é que podem realizar o diagnóstico que comprova a contaminação.

Márcia Bechara também registrou, nos últimos dias, outros sintomas do Covid-19, como febre, dores no corpo e forte cansaço, mas passa bem. Ela está em confinamento em seu apartamento em Paris, administrando os sintomas com medicamentos para dor e febre e em quarentena pelos próximos 14 dias.

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