Campeão de votos, Contar sofre sem musculatura política

Mais votado em 2018, deputado enfrenta dificuldade para se viabilizar à prefeitura
Nyelder Rodrigues

Recordista de votos nas eleições de 2018 e que, ainda assim, não conseguiu a articulação necessária para se lançar como prefeitável em 2020.

Em Campo Grande, um nome até pouco tempo dado com certo para o pleito municipal de 2020 acabou preterido e, agora, se vê fora da disputa.

Trata-se do capitão do Exército Renan Contar (PSL), conhecido como Capitão Contar, campeão de votos em 2018, ano de seu primeiro pleito eleitoral e quando, de cara, foi escolhido por 78.390 pessoas nas urnas – 6,11% do eleitorado – e quebrou o recorde anterior de 56.287 votos (3,58%), conquistados por Marcos Trad em 2010.

Entre os caciques do poder em Mato Grosso do Sul, o uso da expressão “musculatura política” é comum para definir nomes que devem ou não ir às urnas, em especial para concorrer a cargos no Executivo.

Apesar dos números que impressionam, o consenso entre muitos nos bastidores é que Contar está isolado no PSL e, nesse um ano e meio como deputado, ainda não conseguiu construir musculatura suficiente para alçar voos maiores.

A chegada ao PSL do vereador Vinicius Siqueira, ex-DEM, teria sido a cereja do bolo. Com maior persuasão, diálogo com a imprensa, militância e capacidade para atrair holofotes, Siqueira acabou sendo indicado como o pré-candidato do antigo partido de Jair Bolsonaro para a prefeitura de Campo Grande.

Tido como nome bivarista, ou seja, ligado ao presidente da sigla Luciano Bivar (homem que entrou em colisão com Bolsonaro e provocou sua saída do partido), Siqueira nega qualquer atrito com Contar e ainda lamenta ser apontado como pivô de um racha partidário.

“O Contar decidiu recuar da candidatura em respeito aos votos que teve no interior. Não seria justo com o eleitor dele, dos 78 municípios, que abandonasse o mandato pela metade. A decisão foi dele e, a meu ver, acertada. Tanto que no mesmo dia ele fez uma declaração que dizia entender a atitude do diretório municipal”, comenta o vereador.

Siqueira também foi eleito em sua primeira vez nas urnas, aproveitando o embalo das manifestações pró-impeachment da então presidente da República, Dilma Rousseff (PT). “Meu nome foi escolhido pelo diretório municipal. O Bivar não tem qualquer relação com a indicação. Foi uma escolha local”, completa.

Já Contar afirma que antes de decidir se desligar do PSL, sempre teve total apoio como o pré-candidato à prefeitura de Campo Grande. “Não só da líder do partido, a senadora Soraya, como também pela aceitação popular. Mas, por enquanto, o meu foco é realizar um bom mandato e representar bem os sul-mato-grossenses na Assembleia Legislativa”, frisa o deputado.

O primeiro racha do PSL em Mato Grosso do Sul contou com o afastamento voluntário do deputado estadual Coronel David – que inclusive conseguiu a desfiliação judicialmente, sem perder o cargo – e do deputado federal Luiz Ovando, que segue na sigla, mas atua mais nas frentes de criação do novo partido de Bolsonaro, o Aliança pelo Brasil.

Contar, o deputado federal Loester Trutis e a senadora Soraya Thronicke formaram um trio de linha de frente peesseelista deste então.

Contudo, os recentes fatos desmancharam essa estrutura e fizeram com que Contar pensasse, inclusive, na saída do partido – já que estaria isolado da alta cúpula e dos dissidentes.

Governadoria

Ainda segundo Siqueira, ele mantém normalmente o diálogo com Contar, conversando sobre várias situações. “Não me coloquei à frente do Contar. O Capitão é nosso parceiro político. Somos um time e já pedi várias vezes que ele repense a saída do PSL”, revela o vereador, que é apontado como um dos principais opositores de Marcos Trad (PSD).

“O Capitão tem o desejo de ser governador. Eu o apoiava para prefeito e não vejo qualquer restrição para apoiá-lo em 2022”, prossegue Siqueira, ao ser questionado sobre um possível acordo entre eles para que Contar abdicasse da candidatura em 2020.

Em tese, os deputados estaduais mais votados tendem a acumular vitórias nas urnas ao disputar outros cargos. Mais votado em 2002, Nelson Trad Filho teve 36.283 votos (3,3% do total de válidos).

Na eleição seguinte, acabou sendo eleito prefeito de Campo Grande, cargo o qual ocupou de 2005 até 2012. Atualmente ele é senador.

Já em 2006, o hoje governador Reinaldo Azambuja foi o mais votado para uma cadeira na Assembleia Legislativa, com 47.772 votos (3,92%). Porém, na Capital, quem ficou em primeiro foi Marcos Trad, que somou 26.118 votos, 6,6% do total da cidade.

Nas duas eleições seguintes, 2010 e 2014, Marcos Trad voltou a mostrar força, mantendo até hoje o recorde de mais votado em Campo Grande para deputado estadual. Dos mais de 56 mil votos em 2010, 41.523 foram de Campo Grande – 9,7% do eleitorado local.

Em 2014, o atual prefeito campo-grandense somou 47.015 votos (3,58%), sendo 35.007 da Capital – um índice de 8,20%. Com seus 78.390 votos em 2018 (6,11% do total), Contar quebrou o recorde estadual e se tornou o segundo colocado histórico em Campo Grande, com 8,92% do eleitorado o escolhendo, chegando aos 39.896 votos.

Cisão atrapalha

Doutor em Ciência Política, professor e pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) com atuação na área de política sul-mato-grossense, Daniel Estevão Ramos de Miranda acredita que as cisões que eclodiram dentro do partido recentemente foram causadoras desse isolamento de Contar, tanto no partido como fora dele.

“Difícil avaliar em um curto prazo quais das possibilidades é a mais concreta, que explica melhor a situação. Em todo caso, apesar desse rompimento do PSL com Bolsonarismo, ele é relativo. Aqui no Estado houve uma cisão pública, com a Soraya de um lado e do outro lado outras lideranças, como o Ovando”, frisa Daniel, que complementa em seguida.

“Então, penso que na situação específica do Contar, ele não conseguiu encontrar espaço dentro do partido muito provavelmente porque houve essas cisões. Avaliando os cenários, talvez o que tenha mais pesado foi essa cisão e um congestionamento de pré-candidatos”, frisa.

Miranda ainda opina que existem duas perspectivas para analisar Contar. A primeira é que sua votação expressiva foi mais atrelada à conjuntura do bolsonarismo, que cresceu em 2018, mas talvez não se repetisse agora por causa da cisão partidária, ou que realmente é um candidato forte, em ascensão e se consolidando como liderança.

“Nessa primeira visão, ele seria mais uma aposta, não tão forte, pois é uma pessoa que não tem ainda uma carreira política longa. Ele está no meio do primeiro mandato. Pode ser que uma avaliação tenha sido feita de acordo com o eleitorado daqui”, conclui o cientista político.

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