Antes de demissão, Alvim brinca com boneco que ‘assassina’ Lula e ironiza polêmica sobre nazismo

Mateus Vargas

BRASÍLIA – “Chegou bem no dia em que o pau tá quebrando, né? Chegou no dia ‘D’”, disse o dramaturgo Roberto Alvim ao Estado. O comentário do agora ex-secretário de Cultura foi feito pouco antes de se opor ao nazismo, mas “assinar embaixo” das ideias “perfeitas” de Joseph Goebbels, ideólogo do governo alemão de Hitler, adaptadas para discurso de lançamento do que seria o carro-chefe da gestão Jair Bolsonaro para a área cultural.

Demitido após forte repúdio dos chefes dos três Poderes por defender o conteúdo nazista, Alvim recebeu sorridente o Estado. “Continuamos no âmbito da Segunda Guerra Mundial”, ironizou, horas antes de deixar o governo.

Em sua mesa, além de uma cruz da Região das Missões (RS) e um frasco de água benta, o então secretário exibia um pequeno boneco armado do “Doutrinador”, personagem que assassina ex-presidentes do PT e o deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG) em uma história em quadrinhos brasileira.

“É o Doutrinador. Ele matou o Lula num quadrinho”, explicou Alvim, emendando com uma longa risada. Na entrevista, ele afirmou que Bolsonaro garantiu a sua permanência no cargo.

“Conversei com o presidente hoje de manhã. Ele se convenceu plenamente do que falei, ele sabe, me conhece. Sabe que minhas intenções são absolutamente nobres nesse campo”, disse Alvim. Quatro horas depois, o presidente confirmou, em nota, a demissão que já era dada como certa.

Na mesma manhã, após repercussão de entrevista ao Estado, Alvim cancelou as agendas que restavam no dia. Foi ao Palácio do Planalto e colocou o cargo à disposição.

“A filiação de Joseph Goebbels com a arte clássica e com o nacionalismo em arte é semelhante à minha e não se pode depreender daí uma concordância minha com toda a parte espúria do ideal nazista”, afirmou. “Gravou essa p*?”, emendou ele, ao cobrar que a frase fosse incluída na entrevista.

Alvim disse não saber quem incluiu a adaptação da frase nazista no seu discurso, mas que não fará “caça às bruxas” para encontrar um culpado. Ele admitiu que trecho de seu discurso pode ter sido inspirado na declaração nazista — sem que ele soubesse.

Ao Estado, Alvim disse que o Prêmio Nacional das Artes, que distribuiria cerca de R$ 20 milhões, seria o começo da “refundação” da cultura brasileira, baseada em conceitos conservadores de artes, mas sob a promessa de não promover bandeiras da direita política.

O então secretário afirmou torcer para que a população brasileira, num futuro breve, consuma em massa obras clássicas. O cenário idealizado não impediria a reprodução de Funk ou Hip Hop, apesar de ele “abominar” os ritmos. “Agora, nada impede que se crie uma música com a batida do Funk e que seja uma música interessante em alguns sentido estético, embora eu ache muito complicado”, declarou.

Derrocada isolado. Ao lançar nesta quinta-feira, 16, um edital de prêmios da Cultura durante transmissão nas redes sociais com Bolsonaro, o agora ex-secretário ouviu elogios do chefe. “Agora temos, sim, um secretário de Cultura de verdade. Da maioria da população brasileira. População conservadora e cristã. Muito obrigado por ter aceitado essa missão”, disse o presidente. Alvim foi o terceiro a ocupar o cargo. O primeiro, Henrique Pires, deixou a pasta com acusações de que o governo censurava obras LGBT. O economista Ricardo Braga, por sua vez, ficou apenas dois meses e foi transferido para uma secretaria no Ministério da Educação.

A repercussão negativa sobre a frase adaptada do nazismo, no entanto, fez Alvim virar alvo nesta sexta, 17, do guru do bolsonarismo, o escritor Olavo de Carvalho, e de outros conservadores. Isolado, Alvim anunciou nas redes sociais que colocava o cargo à disposição.

Alvim foi nomeado em novembro ao cargo de secretário de Cultura, semanas após ofender a atriz Fernanda Montenegro nas redes sociais. Ele já estava no governo desde junho, como diretor da Fundação Nacional das Artes (Funarte).

Na curta passagem pelo cargo, Alvim ganhou brigas com os ministros da Cidadania, Osmar Terra (MDB), e do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), ao receber aval de Bolsonaro para nomear quem quisesse. À época, Bolsonaro mudou a estrutura da Esplanada para retirar a secretaria de Alvim do guarda-chuva de Terra e evitar atritos entre eles.

O dramaturgo dirigiu por três décadas peças de sucesso de crítica, mas disse ter mudado radicalmente de perfil político após se curar de uma grave doença por meio de orações. Ele afirmou que sofreu uma “metanoia”: “É uma mudança espiritual, de posicionamento existencial radical”. Alvim surpreendeu a classe artística ao declarar voto em Bolsonaro em 2018, após o atentado a faca sofrido pelo então candidato a presidente.

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